Instituição da Eucaristia
A quinta-feira santa é o dia em que celebramos a instituição da Eucaristia. Escrevendo aos coríntios, Paulo dá uma amostra de como deve ser celebrada, para que possa eliminar as ambiguidades que nem sempre percebemos ao participar da Ceia do Senhor.
Estamos diante
do primeiro escrito do Novo Testamento que trata da Eucaristia, surgido
por volta dos anos 54/55, prova de que as comunidades fundadas por Paulo
já nessa ocasião celebravam a Ceia do Senhor. Esta é celebrada dentro
de um contexto bem preciso: o da comunidade de Corinto, com todos os
seus problemas e divisões entre ricos e pobres, fortes e fracos.
Corinto era uma
metrópole com quase meio milhão de habitantes, 2/3 deles escravos nos
campos, nos portos, nas minas de bronze e nas casas da elite.
Os cristãos
dessa cidade começavam a Ceia do Senhor com uma refeição em que todos
punham em comum o que cada qual trouxera. Era o momento da partilha que
precedia o grande sinal que atualizava a partilha de vida do Senhor. Os
pobres escravos, que trabalhavam até tarde, talvez não tivessem tempo
para preparar algo, esperando saciar a fome com um jantar mais
caprichado, comendo o que os ricos trouxeram. Estes - que ficaram sem
nada fazer o dia todo - não querendo passar o vexame de ter de comer a
comida dos pobres, ou de ter que partilhar com eles o próprio alimento,
empanturravam-se e embebedavam-se antes que eles chegassem. E depois se
continuava a Ceia do Senhor como se nada tivesse acontecido. E
justamente aí se situa o grande dilema: é possível celebrá-la sem
partilhar os bens com os que nada têm? Não seria comungar a própria
condenação?
Os versículos
da segunda leitura da celebração da quinta-feira santa contemplam
basicamente a narrativa da instituição da Eucaristia. Paulo afirma tê-la
recebido do Senhor e tê-la transmitido às comunidades de Corinto.
Embora Paulo não estivesse presente na última Ceia do Senhor, o que ele
comunica não podia ter garantia maior de autenticidade do que esta: "eu
recebi do Senhor e transmiti a vocês".
A Ceia do
Senhor está vinculada a um fato e dado históricos - a noite em que o
Senhor foi entregue. Essa noite é mais importante que a noite da saída
do Egito, celebrada na ceia pascal judaica, e se reveste de caráter
pascal insuperável.
O rito descrito
por Paulo é bastante próximo à tradição dos sinóticos e comporta os
seguintes passos, feitos de gestos e palavras: 1º - tomar o pão; 2º -
dar graças; 3º - partir o pão, gesto este acompanhado das palavras:
"Isto é o meu corpo, que é para vocês; façam isto em memória de mim"; 4º
- no fim da Ceia, tomar o cálice, enquanto proferem-se as palavras:
"Este cálice é a nova aliança no meu sangue; todas as vezes que vocês
beberem dele, façam isso em memória de mim".
Chamam a
atenção a ação de graças, a fração do pão - duas formas de nomear a
Eucaristia - e o memorial, que não é simples repetição mecânica de um
rito. É reviver os acontecimentos passados, experimentando hoje seus
efeitos. Paulo conclui dizendo: "Todas as vezes que vocês comem deste
pão e bebem deste cálice, estão anunciando a morte do Senhor, até que
Ele venha".
Colunista do Portal Ecclesia.
Arcebispo
emérito de Juiz de Fora (MG). Cursou filosofia e teologia no Seminário
Maior São José em Mariana (MG). Governou a arquidiocese de Juiz de Fora
entre 2001 e 2009.